
“Capoeira angola é uma dança. Se oficializarem a capoeira será a regional, que se presta para a luta”, defendia Bimba. A resposta vinha em forma de ironia. “Bimba ensina os seus alunos a jogar mais ligeiro, enquanto eu determino aos meus movimentos lentos e manhosos. Capoeira veio de Angola. Regional é um mito. É apenas um nome criado por mestre Bimba, angoleiro como eu”. Com frase escrita na parede da academia, Pastinha também provocava. “Capoeira, só angola. Angola, capoeira-mãe”. “Para Bimba, a capoeira é invenção nacional, brasileira, originária das senzalas do recôncavo. Pastinha finca nas tradições da diáspora africana, dos negros trazidos para a escravidão”, elucida Antônio Liberac.
Fato é que disputaram os espaços culturais e políticos da época. Ambos tornaram a capoeira reconhecida entre as diversas classes sociais, e pleiteavam cada vez mais admiradores. Simpósios e congressos, como o que aconteceu em 1969, no Rio de Janeiro, tentaram unificar os estilos. Em vão. “Mestre Bimba retirou-se antes do término, pelo baixo nível da discussão. Pastinha, por sua vez, se negou a marcar presença”, narra matéria do jornal A Tarde daquele ano. As dissensões entre os dois não passavam disso. “Eram incitados o tempo todo, mas não tinham por que brigar”, concorda Manoel Nascimento Machado, o mestre Nenel, filho de Bimba.
Fala-se, inclusive, numa carta de Pastinha, enviada a Bimba, convidando-o para visitar a academia. O mestre nunca se fez presente, mas teria enviado alguns regionais. “Eles iam vadiar com a gente, sim. Ezequiel, Itapuã, Camisa Roxa, eram todos da capoeira regional”, recorda mestre João Grande, seguidor de Pastinha. Apesar das ponderações, as “alfinetadas” permanecem até hoje, principalmente nas palavras do angoleiro Gildo Lemos Couto, o Gildo Alfinete. “Bimba usou a capoeira para transformá-la numa outra coisa. Como alguém vai roubar sua mulher e você vai gostar?”, polemiza.
Ao esgueirar-se pelos dois ambientes, Ângelo Decânio Filho parece encontrar o cerne da questão. “A discussão se mantém porque Bimba é a face belicosa e guerreira. Pastinha é o exercício da habilidade, onde se mostra ao adversário que pode atingi-lo, mas não o faz”. De fato, Bimba voa sobre o oponente, tira o corpo do chão em ataque certeiro. Pastinha atua, finge-se bêbado, faz da roda teatro, representa personagem em jogo lento, não menos fulminante. Traz à memória aquelas imagens em que aparece no filme de 1949, com ginga inconfundível, num nostálgico preto-e-branco.