domingo, 28 de março de 2010

MÁRTIR DA CAPOEIRA - I

Salve capoeiras!

Irei colocar a cada semana uma trecho da matéria "Mártir da Capoeira" feita por Alexandre Lyrio sobre Mestre Pastinha. Serão ao todo 14 semanas.
Boa leitura a todos!

Vicente Ferreira Pastinha deu a vida pela capoeira angola mas não foi reconhecido no Brasil.
Um sábio tão genial não deveria ter acabado daquele jeito. Mas o fim trágico de Vicente Ferreira Pastinha, o mestre Pastinha, revela de que forma o Brasil trata a sua memória. Não era um homem das letras, é verdade, mas foi uma espécie de guardião de uma cultura ancestral. A capoeira angola, que defendeu com uma abnegação religiosa, era o seu principal cabedal. Por ela, divulgou o Brasil na África, ganhou fama e espaço em jornais. Contudo, como um mártir incógnito de negros escravos como sua mãe, morreu doente, cego e na miséria, sem ver o seu trabalho reconhecido no país.

Época de ouro

Exaltado por Jorge Amado e Caetano Veloso, Pastinha tem período áureo e chega ao ápice em viagem à África
Posaram para foto nas escadas do avião. À frente, um senhor elegante, satisfeito e sorridente. Nos degraus seguintes, logo abaixo, um time respeitável de nomes excêntricos: José Gato, João Grande, Camafeu de Oxóssi, Gildo Alfinete e Roberto Satanás. Reunido às pressas, o grupo partiria para a mais importante empreitada da história da capoeira. Completaram a delegação de artistas e intelectuais brasileiros em viagem inédita à África. Desfalcado de João Pequeno, o conjunto regido por Pastinha representaria a Bahia em evento de afirmação da negritude. O outro lado do oceano estava em festa.
Na capital do Senegal, Dakar, realizava-se o 1º Festival Mundial de Arte Negra. O ano é 1966 e os africanos conheceram a capoeira do Brasil na sua época de ouro. Ao carimbar seu primeiro passaporte, Pastinha tornaria realidade desejo antigo. Tinha vontade de mostrar para descendentes dos seus ancestrais o que havia feito de sua cultura. Sensação semelhante a que viveu o ousado Ruy Barbosa ao pendurar tabuleta com os dizeres “dá-se aula de inglês”, em plena Londres. “Eles gostaram do que viram. Fizemos uma apresentação de gala”, assegura um dos membros da comissão, Gildo Alfinete. Era capoeira afro-brasileira para africano ver.
O feito ganhou os jornais, virou música escrita pelo próprio Pastinha, entoada nas rodas de capoeira, gravada na voz de Caetano Veloso: “Pastinha já foi à África, pra mostrar capoeira do Brasil”, cantou Caetano, em Triste Bahia, como que lamentando a passagem de um período que não mais poderia voltar. Antes, Pastinha e sua trupe já haviam levado a arte da capoeira para Belo Horizonte, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Colocaram 40 mil pessoas no ginásio Maracananzinho. “Os capoeiristas do centro angola se exibiram no Aeroporto Santos Dumont. Pastinha, com seus 60 anos, lidera os bambas da capoeira...”, noticiou o Diário Carioca, de 10 de abril de 1959.
Era o apogeu, tempos áureos para mestre Pastinha e sua academia, transformada em passagem obrigatória para turistas que visitavam a Salvador dos anos 60. Desprendido, sem amontoar bens materiais, Pastinha tinha fama de artista, era intelectual do povo, célebre “vadio”. Sem nenhum tipo de formação acadêmica, transitou entre intelectuais, jornalistas e políticos da época. Impunha respeito em qualquer meio. “Trouxe para a capoeira referências de fora. Se comunicava com o mundo exterior. Apesar de ortodoxo na estética, não se fechava no seu mundo”, analisa o pesquisador Frede Abreu.

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