segunda-feira, 28 de junho de 2010

MÁRTIR DA CAPOEIRA - FINAL

Duelo de titãs
Atacaram-se, mas não em sentido pessoal. Bimba e Pastinha jamais se hostilizaram individualmente. Nunca gingaram juntos, nem mesmo se visitaram em toda a existência. Existem registros raros de encontros casuais entre os dois, como no 1º Festival de Capoeira da Bahia, no Ginásio Antônio Balbino, em 1966. Debateram algumas vezes por meio da imprensa, em matérias conduzidas pelo tom do rivalismo. Reportagem da Tribuna da Bahia, publicada no dia 13 de novembro de 1969, fez surgir algumas rusgas. No segundo caderno, a Tribuna intitulou: “Bimba e Pastinha, um duelo de titãs”. Ali argumentaram sobre os estilos de cada um, e fizeram questão de estabelecer diferenças.
“Capoeira angola é uma dança. Se oficializarem a capoeira será a regional, que se presta para a luta”, defendia Bimba. A resposta vinha em forma de ironia. “Bimba ensina os seus alunos a jogar mais ligeiro, enquanto eu determino aos meus movimentos lentos e manhosos. Capoeira veio de Angola. Regional é um mito. É apenas um nome criado por mestre Bimba, angoleiro como eu”. Com frase escrita na parede da academia, Pastinha também provocava. “Capoeira, só angola. Angola, capoeira-mãe”. “Para Bimba, a capoeira é invenção nacional, brasileira, originária das senzalas do recôncavo. Pastinha finca nas tradições da diáspora africana, dos negros trazidos para a escravidão”, elucida Antônio Liberac.
Fato é que disputaram os espaços culturais e políticos da época. Ambos tornaram a capoeira reconhecida entre as diversas classes sociais, e pleiteavam cada vez mais admiradores. Simpósios e congressos, como o que aconteceu em 1969, no Rio de Janeiro, tentaram unificar os estilos. Em vão. “Mestre Bimba retirou-se antes do término, pelo baixo nível da discussão. Pastinha, por sua vez, se negou a marcar presença”, narra matéria do jornal A Tarde daquele ano. As dissensões entre os dois não passavam disso. “Eram incitados o tempo todo, mas não tinham por que brigar”, concorda Manoel Nascimento Machado, o mestre Nenel, filho de Bimba.
Fala-se, inclusive, numa carta de Pastinha, enviada a Bimba, convidando-o para visitar a academia. O mestre nunca se fez presente, mas teria enviado alguns regionais. “Eles iam vadiar com a gente, sim. Ezequiel, Itapuã, Camisa Roxa, eram todos da capoeira regional”, recorda mestre João Grande, seguidor de Pastinha. Apesar das ponderações, as “alfinetadas” permanecem até hoje, principalmente nas palavras do angoleiro Gildo Lemos Couto, o Gildo Alfinete. “Bimba usou a capoeira para transformá-la numa outra coisa. Como alguém vai roubar sua mulher e você vai gostar?”, polemiza.
Ao esgueirar-se pelos dois ambientes, Ângelo Decânio Filho parece encontrar o cerne da questão. “A discussão se mantém porque Bimba é a face belicosa e guerreira. Pastinha é o exercício da habilidade, onde se mostra ao adversário que pode atingi-lo, mas não o faz”. De fato, Bimba voa sobre o oponente, tira o corpo do chão em ataque certeiro. Pastinha atua, finge-se bêbado, faz da roda teatro, representa personagem em jogo lento, não menos fulminante. Traz à memória aquelas imagens em que aparece no filme de 1949, com ginga inconfundível, num nostálgico preto-e-branco.

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