terça-feira, 4 de maio de 2010

MÁRTIR DA CAPOEIRA - VI

Sementes de Pastinha

O mestre sabia que capoeira se aprende jogando, e com o estudo da sua filosofia. Exatamente como fazem alguns dos seus discípulos, a maior herança filosófica de Pastinha. “Os meus discípulos zelam por mim. Os olhos deles são os meus”. Aos 86 anos, João Pequeno parece impregnado dos seus preceitos. A ponto de ter sido agraciado com o nome do mestre: “João Pequeno de Pastinha”. Pequeno forma dupla de guardiões da capoeira angola com João Grande, do qual Pastinha ficaria orgulhoso se estivesse vivo. Grande alçou vôo alto, aos 76 anos, mora em Nova York, nos Estados Unidos, onde cobra US$15 por hora-aula aos seus mais de 100 alunos.
Saiu da lavoura, em Itagi, para ser premiado Doutor Honoris Causa pela Universidade Upsala College, de Nova Jersey. Não deixa o hábito de mascar cravos e usar a peculiar boina. “Quanto aos discípulos, ele acertou em cheio. João Pequeno e João Grande levaram pra frente o seu projeto de vida. São, de fato, os caras que amam a capoeira, as sementes de Pastinha”, aposta Frede Abreu. “A cultura popular é dinâmica. Mas existem muitos sinais da tradição ainda presentes nas formas de transmissão daqueles saberes, que os dois joões mantêm nas suas escolas”, complementa Pedro Abib.
Aqueles saberes iam da mais pura sabedoria popular às mais complexas e abstratas noções. “Qual o golpe mais importante da capoeira?”, perguntou uma jornalista. Era a deixa para resposta irônica. “A carreira. Se não pode enfrentar o adversário, corra”. Curiosa versatilidade de idéias. Escrevia muito e falava pouco, mas quando se fazia ouvir a voz mansa e arrastada, disparava pérolas. “Você tem uma boca e duas orelhas. É pra ouvir mais e falar menos”. Bebia na cultura popular para brincar com as palavras. Assim deixou sua herança. “O grande filósofo da capoeira. Não teve outro, não tem, nem vai ter”, profetiza Frede Abreu.

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