domingo, 30 de maio de 2010

MÁRTIR DA CAPOEIRA - X

Ajuda de custo

Mas Pastinha sabia que poderia contar com alguns dos seus. O escritor Jorge Amado interveio junto ao então governador Antonio Carlos Magalhães para que o mestre recebesse ajuda de custo de 300 cruzeiros e pensão vitalícia por “serviços prestados ao turismo”. “Mestre Pastinha merece ter uma situação excepcional na Bahia. Trata-se de um grande mestre da nossa cultura popular e deveria ser amparado pelos poderes públicos e pela população. É o guardião de preciosidade da nossa cultura, a capoeira angola”, alertou Jorge Amado.
Ainda que não devolvessem sua academia, Pastinha reivindicava reconhecimento. Queria que o governo Luiz Viana Filho o apoiasse no projeto de tornar sua capoeira um referencial para o turismo em Salvador. Não foi atendido. “Solicitei ao governador um auxílio para restaurar a academia. Até agora, porém, apenas promessas”. O socorro viria de outras partes. Artistas como Moraes Moreira chegaram a realizar shows beneficentes para arrecadar fundos. O próprio Bimba teria feito apresentação em prol de Pastinha. “João Pequeno e João Grande também foram solidários na medida do possível. A verdade é que a maioria dos seus alunos não tinha condições”, explica Frede Abreu.
Em 1979, com o esforço particular de mestre Curió, se deu a última tentativa de reerguer a academia. Quase não se destacou o fato nos jornais. “Mestre Pastinha tenta reviver, na miséria, seu passado de glórias”. Não conseguiria atrair muitos freqüentadores, insucesso justificado por dona Romélia. “A academia ainda não tem alunos porque todo mundo que aparece só quer ter aula de graça”, bradou. Por curto período, o Centro Esportivo de Capoeira Angola funcionaria na Rua Gregório de Matos, número 51.
As ajudas atenuaram o sofrimento, mas serviram apenas de paliativo. Dona Romélia ainda tentou, de forma frustrada, gravar disco e reeditar livro de Pastinha. Mas a única fonte de renda fixa continuaria sendo seu acarajé, comercializado na porta do Hotel Pelourinho e na entrada da Fonte Nova. Sem tempo para cuidar do companheiro e sem dinheiro para comprar remédios, decidiu internar Pastinha num asilo. O mestre seria levado para o Abrigo Dom Pedro II, carregado pelo amigo e aluno Ângelo Romano, atual comerciante do Pelourinho. “Levei no meu próprio carro”, revela.
Asilado, não ficaria em paz. A fama faria com que sua figura continuasse tão cultuada quanto explorada. “Vem gente aqui tirar fotos dele e vender por 700 cruzeiros”, denunciou Romélia. Terminaria, assim, definhando em cima de uma cama, sem dentes, com os olhos revirados e servindo de modelo. Em 13 de novembro de 1981, morre aos 92 anos. Há controvérsias sobre quem teria custeado o enterro no cemitério do Campo Santo. A viúva dizia que foi ela, com o dinheiro do acarajé. Alguns sugerem que foi a prefeitura. Certo é que o grande mestre sacerdote, que fez da roda de capoeira teatro, mostrou sua arte afro-brasileira para os africanos e filosofou com a cultura popular, terminou cego, pobre e famoso. Morreu como mártir, tateando no escuro.

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