domingo, 16 de maio de 2010

MÁRTIR DA CAPOEIRA - VIII

Tateando no escuro

Pastinha ficou cego e teve o mesmo final trágico da maioria dos ‘velhos mestres’
Esquivou-se com peculiar malícia, como que tentando livrar-se de golpe mortal. Foi em vão. Em toda a sua trajetória seria o único ataque a que não teria defesa. Acertou-o em cheio.
- Pastinha, que é que tá sentindo?A resposta ao questionamento de dona Romélia, a terceira esposa, guardaria certo desdém, misto de resignação e sarcasmo.
- Nada, absolutamente nada... Tô bem, graças a Deus...
Definitivamente não estava. Vivia em quarto escuro, sujo, sombrio. Enxergava apenas o negrume. Duro golpe de deslealdade havia lhe deixado cego. É verdade que dois derrames cerebrais subtraíram sua visão, talvez resultado das baforadas de cigarro, companheiro inseparável. Mas nada perturbaria tanto seus sentidos que a traiçoeira infidelidade, tão devastadora quanto o “furo nos olhos”. Sem maiores explicações, em 1973, tiraram-lhe seu maior bem, o Centro Esportivo de Capoeira Angola.
Seria “despejo” temporário, uma simples reforma nas dependências do velho casarão. Como a própria cegueira, porém, foi definitiva. A academia se transformaria em restaurante, o Senac, no Largo do Pelourinho. O espaço não alimentaria culturalmente baianos e turistas, como fazia o centro de Pastinha. O mestre havia perdido sua maior fonte de renda. Segundo jornais da época, sequer recebeu indenização e alguns dos pertences que deixou no local teriam sido extraviados. “Quadros pintados por ele, livros, registros da academia, cartas, bandeiras, móveis em jacarandá, desapareceram apesar de ter ficado sob a guarda dos responsáveis pela desapropriação”, escreveu A República.
“A saída do Pelourinho foi trágica. Nos enganaram. Disseram que seria por uns dias”, testemunha Jaime Martins dos Santos, o mestre Curió, em depoimento no documentário Pastinha: uma vida pela capoeira, de Antônio Muricy. A transferência para cortiço pequeno e sem estrutura, na Ladeira do Ferrão, também conhecida como Ladeira do Mijo, era o princípio do declínio. Pastinha não havia acumulado capital para superar a crise. Já empobrecido, ficou em estado de penúria. Durante certo tempo ocultaria a mágoa. Depois, quebraria o silêncio. “Nada vejo. Nada, absolutamente nada. Trevas, trevas. Estou na miséria”, revelou.

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